Estados e municípios no país relatam subnotificação gigantesca de
casos
Falta de testes e de portaria do Ministério da Saúde gera
confusão; área médica já prevê falta de UTIs
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Equipes de atenção básica em várias cidades e
estados do Brasil afirmam que a subnotificação ao
Ministério da Saúde de casos suspeitos de
infecção pela Covid-19 tem sido gigantesca.
Isso vem ocorrendo mesmo depois de o
ministro Luiz Henrique
Mandetta ter solicitado, em 20 de março, que todos os
casos suspeitos, independentemente da gravidade, fossem notificados por
estados e municípios.
Nesse cenário, em que o avanço da epidemia
pode ser muito maior do que se tem registro, muitos hospitais do país esperam
que dentro poucas semanas comecem a faltar vagas em
Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs).
Em alguns estados e municípios, chega-se a 1
caso informado para cada 30 ou mais episódios em que pacientes podem estar
doentes sem que as ocorrências sejam reportadas em nível federal.
A falta de kits para testes e
a inexistência de uma portaria específica do Ministério da Saúde para
determinar quais casos devam ser considerados confirmados ou suspeitos têm
feito com que muitos doentes não entrem nas estatísticas, segundo a Sociedade
Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), que representa 6.000
médicos atuando em 47,7 mil equipes de atenção básica em todo o Brasil.
Na falta de uma portaria específica do
ministério, os médicos que reportam os casos têm se guiado por notas técnicas
da vigilância epidemiológica de seus municípios ou estados, que diferem umas
das outras —impedindo que haja dados nacionais homogêneos.
“O resultado é que estamos no escuro em
relação ao que realmente notificar e sobre o número real de casos”, diz
Denize Ornellas, diretora de Comunicação da SBMFC.
No Distrito Federal, até a semana passada a
orientação era a de que fossem notificados apenas os chamados casos SRAG
(Síndrome Respiratória Aguda Grave).
Nesta semana, isso mudou e agora são
notificados todos os casos SG (Síndrome Gripal) —que incluem febre e mais um
sintoma, como tosse.
“Com base na antiga orientação, notifiquei
apenas um caso na semana passada. Depois da nova nota técnica, foram três só
na segunda-feira”, diz Rodrigo Lima, médico de um posto na cidade satélite de
Samambaia, no Distrito Federal, onde são atendidas cerca de 25 mil pessoas.
Segundo ele, não há kits de testes para a COVID-19 na
região e as subnotificações “são imensas”. “Mesmo a orientação da nova nota
técnica foi encaminhada pelo Whatsapp, e colegas não viram”, diz.
No Recife, o médico de família Bruno Pessoa
—que atende cerca de 4.000 pessoas em uma unidade de saúde básica— estima que
as notificações formais são de 1 para quase 40 casos suspeitos.
A capital pernambucana fez o inverso do
Distrito Federal. Entre os dias 10 e 17 de março, a orientação era a de que
todos os casos de Síndrome Gripal fossem notificados. Mas uma nota técnica do
dia 19 de março limitou a exigência para os casos de Síndrome Respiratória
Aguda Grave.
“A mudança ocorreu no dia em que ficou
estabelecida a transmissão comunitária.” Segundo Pessoa, os hospitais de
referencia da cidade com leitos de UTIs já estão “no limite”.
Segundo Rita Borret, médica no bairro carioca
de Jacarezinho, a subnotificação de casos ao Ministério da Saúde também é
grande no Rio.
“De cada 20 pacientes suspeitos, apenas 1 ou 2
são notificados no Ministério da Saúde”, diz Rita, que trabalha em uma
clínica que atende 3.600 pessoas na região.
Em Minas Gerais, a médica Natália Madureira,
que cuida de aproximadamente 5.000 pessoas em uma unidade básica, afirma que
a falta de kits para testes e de orientações específicas da Saúde têm levado
a muitas subnotificações. “Cada estado tem tratado as notificações de maneira
diferente”, diz Natália.
No início de março, o Ministério da Saúde
publicou o Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus na Atenção Primária à
Saúde, voltado aos profissionais da atenção básica. Depois de várias
atualizações, o documento diz, na página 19, que devem ser notificados todos
os casos de Síndrome Gripal e de Síndrome Respiratória Aguda Grave por meio
de uma plataforma.
Após mais mudanças no sistema, os casos devem
ser notificados agora no chamado e-SUS, onde os profissionais da atenção
básica entram com login e senha para o registro.
No estado de São Paulo, a secretaria da Saúde
publicou em 17 de março, no Diário Oficial, resolução orientando que os casos
sem gravidade não fossem comunicados.
Até agora, não houve publicação de outro
documento alinhando a orientação ao que o ministério passou a preconizar a
partir de 20 de março.
Apesar de o Diário Oficial dizer o contrário,
a assessoria da pasta sustenta que a orientação é notificar casos suspeitos
graves ou não.
O problema, segundo Denize Ornellas, da SBMFC,
é que como não existe uma portaria específica do Ministério da Saúde para
todo o país, os profissionais têm seguido as orientações locais, e deixado de
notificar inúmeros casos.
“Não se trata de filigrana. Esse é o tipo de
protocolo que precisa ser oficializado por conta da responsabilidade dos
médicos”, diz Denize.
“Se o protocolo não vier como um documento
oficial, como uma portaria, ele não chega às pessoas. Não adianta colocar um
link no site do ministério ou fazer essa distribuição pelo Whatsapp.”
Segundo ela, os profissionais da área estão
dispostos a colaborar o máximo com as orientações da pasta, mas estão
perdidos por conta da falta de uma diretriz oficial.
“A portaria que regulou a questão dos
atestados [para abonar a ausência de doentes], no dia 20 de março, já poderia
ter feito a menção às formas novas de notificação”, afirma a diretora da
SBMFC.
Procurado formalmente pela reportagem, o Ministério da Saúde não
respondeu o pedido de entrevista nem às perguntas enviadas por email.
Um assessor de comunicação disse que a pasta
tem passado orientações o tempo todo para estados e municípios e que eles têm
autonomia para tomar decisões dependendo da situação epidemiológica em que se
encontram.
Disse ainda que as orientações têm mudado com
a dinâmica da epidemia. Mas não houve resposta sobre se a pasta determinará
ou não, por meio de portaria, a padronização geral para a comunicação de
casos suspeitos.
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quinta-feira, 2 de abril de 2020
200402 - Subnotificação de Casos
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