quinta-feira, 17 de outubro de 2019

191017 - Jurista Lenio Streck


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Hoje é dia do julgamento das ADC 43, 44, 54!
O STF fará a coisa certa?




































Eis a questão. Qual será a resposta do Supremo Tribunal às três ADC’s que buscam a declaração da constitucionalidade do artigo 283 do CPP?
Para refrescar a memória, vejamos a discussão:
Artigo 5º:
Artigo 283:
No quadro acima, vê-se que o artigo da Constituição  é o mesmo desde 1988. Já o artigo do CPP é produto de alteração feita pelo legislador em 2011, quando adaptou o texto legal à nova posição do STF acerca da prisão antecipada.
Portanto, não parece haver espaço para dizer que a regra é inconstitucional. Sim, porque, para não aplicar a clareza do artigo 283, só se se lhe declarar a inconstitucionalidade. Mas seria inconstitucional em relação a quê? Eis a questão.
Com efeito, até agora persistiu escassa maioria no STF simplesmente dizendo que o artigo 283 não impede o início da execução da pena tão logo esgotadas as instâncias ordinárias. Mas para dizer isso deveria inquinar de inconstitucional a norma positiva. Mesmo que, ad argumentandum tantum, pudéssemos aceitar que uma interpretação conforme a Constituição fosse possível em sede de ADC (o STF até então não havia cogitado disso), o STF teria que dizer, na especificidade, que o artigo 283 fere a Constituição em algum aspecto.
Mas em qual aspecto o artigo 283 não impede o início da execução provisória? É isso que o STF não disse. E por uma razão simples: é impossível fatiar os sentidos do artigo 283. Ou ele permite execução de pena antes do trânsito em julgado (já, portanto, a partir do segundo grau) ou não permite. Tertius non datur.
Resta saber se o STF fará a coisa certa. E fazer a coisa certa é decidir conforme o direito e não conforme os desejos morais da mídia ou de uma opinião pública da qual não se sabe bem o que quer. Aliás, se valesse a opinião pública, a Constituição seria desnecessária. E se valesse a opinião pública, como ela seria aferida? Por IBOPE? Data Folha?
Por que existem tribunais constitucionais mundo afora? Para que possam se colocar, de forma contramajoritária, em desacordo com o canto das sereias.
Salvemos a Constituição fazendo a coisa certa. Fazer a coisa certa não é fazer dilema ético-moral, como no caso de alguém ter de decidir entre matar uma pessoa e salvar dez. Se você acha que pode salvar dez matando um, então vamos pegar você mesmo e, retirando seus órgãos, salvar várias pessoas “mais importantes até que você”. Não seria um bom negócio? Ah, você acha que isso “não é a coisa certa”? Também acho que não.
Com o Direito não se resolve dilemas ou pegadinhas morais. Um direito é um direito. Como faz o médico em House of Cards. O presidente dos EUA é o segundo da fila de transplantes. E o médico não permite que se fure a fila. E diz: It´s the law. Isso é fazer a coisa certa. E sabem por quê? Porque o que vale é decidir por princípio e não por moral ou política ou voz das ruas ou voz da mídia. E qual é o princípio? “Uma vida é igual a uma vida”. Por isso, o direito à presunção da inocência é igual ao direito à presunção. Porque é um princípio. Simples assim. Eis a coisa certa a fazer. Sem dilemas ou ameaças da mídia ou discursos de ódio advindos das redes sociais.
Tribunais não existem para disputar popularidade. Como cidadão, e qualquer um pode pensar assim, pode parecer melhor que se prenda logo após a condenação já em primeiro grau. Ou em segundo.
Mas como jurista, como Corte Constitucional, só se pode fazer o que diz a Constituição! ADC é ação sem cliente. Não tem rosto. A identidade de uma ação constitucional é o texto que se busca esclarecer. E o que se quer nas ADCs 43, 44 e 54 é apenas que se declare o que lá está. Se isso é ruim, se isso desagrada a muita gente, não deve importar.
A Constituição é justamente um remédio contra descon-tentamentos.
Cartas na mesa, então: ou bem a Corte decide por princípio e veda a prisão em segunda instância – afirmando a clareza do CPP e da CF - ou a Corte faz política e autoriza a prisão. Só tem de assumir qual a autoridade impera no direito brasileiro: se é a dos julgadores ou se é a do Direito.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

191015 - Quem foi Paulo Freire




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Paulo Freire está inserido dentro de um contexto histórico. Na década de 1960, o Brasil era rural e analfabeto. A Constituição de 1946 negava o direito ao voto a quem não sabia ler ou escrever. O "povo" estava excluído da participação política e, por isso, de qualquer ação política: se o "povo" não votava, por que fazer alguma coisa pra "ele"? Paulo Freire surgiu como o criador de um "método" de alfabetização para adultos, no interior do Nordeste, na década de 1960. Partindo da vivência dos alfabetizandos, conseguiu transmitir-lhes a educação formal em tempo recorde. O "método" - por falta de uma palavra melhor - mudaria completamente o rumo eleitoral do país, pois incluiria milhões de novos eleitores no mapa eleitoral, se adotado como política de Estado. Jango, quando assumiu, tinha como mote de campanha as Reformas de Base. Jango mais falou do que fez. Além da futura (e nunca praticada) Reforma Agrária, tinha a intenção de pôr em prática o "método" freirista. Foi um alvoroço na política brasileira. Político, no Brasil, tem medo do "povo". Político tem medo de mudar as estruturas de desigualdades, que os sustentam e lhes garantem dinheiro, eleição e poder. Na época, chamaram de "intenções comunistas" dar cidadania política ao brasileiro. Era do direito ao voto que falavam. Mas para a política conservadora tratava-se de "doutrinação". O Golpe de 1964 foi a desculpa encontrada. No país, a "doutrinação comunista" é usada, via de regra, como desculpas para golpes de Estado. Vide a Intentona Comunista e o Estado Novo. Não mudamos muita coisa, pois os eleitos de hoje ainda vivem sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional.
Pensar Paulo Freire fora desse contexto: da Guerra Fria, dos insistentes golpes militares das décadas anteriores a 1964, da Doutrina de Segurança Nacional baseado na CIA, do reacionarismo de um país escravocrata, dos mandonismos e coronelismos seria um grande erro.
Pensar que o problema da educação se resume a um único homem é o sinal de que o problema da educação atinge gerações. O país sempre cagou para educação formal. É algo que podemos perceber inclusive nos governos de esquerda, do Partido dos Trabalhadores. Criamos uma memória coletiva de que a Ditadura Militar promovia uma educação de qualidade, mas esquecemos - ou nunca pesquisamos - que a Constituição de 1967 retirou a porcentagem mínima obrigatória que antes era destinada a educação. Os governos militares fizeram uma escolha: ao investirem maciçamente em infraestrutura, abdicaram do investimento em políticas sociais. Foi nos governos militares que o país crescia e o salário mínimo diminuía. Foi nos governos militares que as estruturas de desigualdade aumentaram consideravelmente. A partir da década de 1970 e 1980, com a neoliberalização do mundo e a diminuição da importância do Estado, o setor de serviços, que era, até então, eminentemente público, foi deixado à iniciativa privada. A educação passou por processo semelhante. Assim, no Regime Militar, abriu-se caminho para a iniciativa privada com a diminuição dos investimentos públicos, em todas as áreas: educação, segurança, habitação. A classe média, que tinha papel importante de cobrança e mobilização por uma educação de qualidade, migrou para o novo sistema. A educação pública do país passou a ser constantemente deixada de lado, sem a pressão política de uma classe que conseguia mobilizar o país, ao contrário do "povo". Enquanto o serviço público continuar sendo um serviço de "pobre", do "povo", de parcela excluída da sociedade, incapaz de se mobilizar, os serviços serão ruins, incluindo, aí, a educação. A educação de qualidade deveria ser um projeto nacional. Culpar Paulo Freire pela educação ruim é desconhecer a História do Brasil. Desconhecendo a História, que é uma ciência, com métodos e rigor científico, estamos malfadados à manipulação, à direita e à esquerda.