Meio milhão de mortes
somem de sistema usado para monitorar Covid-19
Registros
no Portal da Transparência, usado por pesquisadores para estimar efeito da
Covid, referem-se a diferentes anos
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Mais de 500 mil registros de óbitos,
referentes a diferentes anos, foram excluídos do Portal da Transparência do Registro
Civil, base de dados alimentada pelos cartórios. O
sistema é usado por pesquisadores e veículos de imprensa para estimar, na
carência de testes, o volume de mortes pelo coronavírus.
A mudança de informações na base, mesmo
referente a anos anteriores, dificulta a análise do impacto da COVID-19,
por prejudicar a base de comparação com 2020.
Como a Folha mostrou
nesta quarta (13), o portal tem problemas na alimentação que
tornam inviável usá-lo para analisar a real dimensão das mortes
por Covid-19 no país.
Após essa reportagem,
a Folha voltou a analisar todos os registros de óbitos do
último dia 5 e compará-los com os apresentados nesta quinta (15) no sistema.
Ao comparar os arquivos, nota-se que 546.490 ocorrências de anos e meses
variados desapareceram do sistema. São registros antigos, que não se referem
às mortes por coronavírus em si.
Isso representa 11,5% do total de registros de
óbitos de janeiro de 2015 a abril de 2020, aí incluídas todas as causas de
mortalidade.
A maioria desses registros que não constam
mais no sistema é do estado do Rio de Janeiro, que perdeu 71% das
ocorrências, e se referem aos anos de 2016, 2017 e 2018.
A ARPEN
(associação dos cartórios) confirmou que houve
revisão nos dados sobre o Rio.
O problema foi inicialmente destacado por Lucas Lago,
desenvolvedor do @projeto7C0,
por meio de sua conta no Twitter.
Há cerca de duas semanas ele publica seus achados sobre o portal.
O monitoramento de Lago mostra que a grande
variação no número de mortes ocorreu entre o registrado no sistema na quarta
e na quinta. Ou seja, em apenas um dia, pouco mais de 593 mil registros
(referentes aos anos de 2016 a 2019) foram excluídos, segundo o levantamento
de Lago.
Em tese, os dados apresentados pelos cartórios
poderiam dar uma dimensão do real impacto da COVID-19,
ao se comparar o número de mortes em 2020 com o mesmo período de anos
anteriores. O que foge do padrão poderia ser atribuído à doença. Mas a
alteração dos dados de anos anteriores prejudica esse levantamento.
Se considerados os dados antes da revisão, a
estimativa do número de mortes devido à COVID-19
em abril seria de 11 mil. Com a revisão, sobe para 26 mil (comparando a média
de mortes entre 2015 e 2019 com 2020).
Isso porque a média para o mês, antes da
revisão, era de 88.919 mortes. Depois, passou para 78.349. Atualmente, a
plataforma indica que houve 104.664 mortes em abril.
A base mantida pelos cartórios se propõe a
informar os registros de óbitos que chegam a esses estabelecimentos, de todo
o Brasil, quase em tempo real.
Outros sistemas que acompanham a mortalidade
no país, como o SIM, do DATASUS,
têm uma defasagem de ao menos um ano. Esse tempo é utilizado em grande parte
para que haja conferência e consolidação dos dados.
Mesmo as estatísticas
do registro civil, publicadas pelo IBGE e que
também são baseadas nos dados dos cartórios, são divulgadas ao público com um
intervalo de um a dois anos.
Por essa razão, o portal dos cartórios teria a
vantagem de fornecer ferramentas que permitissem estimar a real dimensão das
mortes por coronavírus no Brasil de forma atualizada.
O sistema, contudo, possui inconstâncias na
alimentação dos dados. Além dos mais de 500 mil registros desaparecidos no
intervalo de uma semana, a reportagem verificou oscilações muito grandes nos
números mensais de mortes por causas naturais em cada cidade, na comparação
com anos anteriores.
Como nesse tipo de análise não entram na conta
homicídios e acidentes, em um cenário normal as ocorrências deveriam
apresentar certa estabilidade - haveria aumento apenas em meio a epidemias,
como é o caso agora. Outras bases de mortalidade, como a do IBGE,
mostram essa tendência de estabilidade em anos anteriores.
Não é o que se verifica nos números de quase
metade da 518 cidades que constam no portal dos cartórios.
Porto Velho, por exemplo, tinha
11 registros de óbitos em fevereiro de 2019 e 204 para o mesmo mês de 2020.
Outras cinco capitais tiveram variação no volume de óbitos acima dos 20% já
em janeiro e fevereiro, quando a COVID-19
ainda não havia se espalhado pelo país.
A ARPEN,
associação nacional dos cartórios que mantém o
sistema, afirma que há, de fato, atraso na atualização. No país há mais de
7.500 cartórios, e eles têm ritmos diferentes para alimentar a base. Há
defasagem nos dados mesmo nos referentes a anos como 2017 e 2016.
Em grandes cidades, a tendência é que o sistema
funcione melhor, e São Paulo
é citada como exemplo de regularidade na inserção dos dados. Ainda assim, a
entidade sugere que os números de maio não sejam considerados, pois há certa
defasagem na entrada dos registros.
Sobre o sumiço dos registros, a entidade
afirmou, em nota, que houve problemas de compatibilidade na plataforma que
abastece o portal no Rio
de Janeiro, com duplicação de registros antigos.
Com a correção, as ocorrências foram removidas, o que ocasionou a redução nos
números.
A entidade aponta que esses dados não são
utilizados no site a que o público em geral tem acesso, por isso a revisão
não alteraria as conclusões presentes ali. As informações alteradas, porém,
prejudica pesquisadores que buscam calcular o excesso de mortes devido à COVID-19 a
partir da comparação com a série histórica.
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