O STF fará a
coisa certa?
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Eis a questão. Qual será a resposta do Supremo
Tribunal às três ADC’s
que buscam a declaração da constitucionalidade do artigo 283 do CPP?
Para refrescar a memória, vejamos a discussão:
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Artigo 5º:
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Artigo 283:
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No quadro acima, vê-se que o artigo da Constituição é o mesmo desde 1988. Já o artigo do CPP é
produto de alteração feita pelo legislador em 2011,
quando adaptou o texto legal
à nova posição do STF
acerca da prisão antecipada.
Portanto,
não parece haver espaço para dizer que a regra é inconstitucional. Sim,
porque, para não aplicar a clareza do artigo 283, só se se lhe declarar a
inconstitucionalidade. Mas seria inconstitucional em relação a quê? Eis a questão.
Com efeito, até agora persistiu escassa
maioria no STF
simplesmente dizendo que o artigo 283 não impede o início da execução
da pena tão logo esgotadas as instâncias ordinárias. Mas para dizer isso
deveria inquinar de inconstitucional a norma positiva. Mesmo que, ad
argumentandum tantum, pudéssemos aceitar que uma interpretação conforme a
Constituição
fosse possível em sede de ADC (o STF
até então não havia cogitado disso), o STF
teria que dizer, na especificidade, que o artigo 283 fere a Constituição
em algum aspecto.
Mas em qual aspecto o artigo 283 não impede o
início da execução provisória? É isso que o STF não
disse. E por uma razão simples: é impossível fatiar os sentidos do artigo
283. Ou ele permite execução de pena antes do trânsito
em julgado (já, portanto, a partir do segundo grau)
ou não permite. Tertius
non datur.
Resta saber se o STF fará a
coisa certa. E fazer a coisa certa é decidir conforme o direito e
não conforme os desejos morais da mídia ou de uma opinião pública
da qual não se sabe bem o que quer. Aliás, se valesse a opinião pública,
a Constituição
seria desnecessária. E se valesse a opinião
pública, como ela seria aferida? Por IBOPE? Data Folha?
Por que existem tribunais
constitucionais mundo afora? Para que possam se colocar, de forma
contramajoritária, em desacordo com o canto das sereias.
Salvemos a Constituição
fazendo a coisa certa. Fazer a coisa certa não é fazer dilema ético-moral,
como no caso de alguém ter de decidir entre matar uma pessoa e salvar dez. Se
você acha que pode salvar dez matando um, então vamos pegar você mesmo e,
retirando seus órgãos, salvar várias pessoas “mais importantes até que você”.
Não seria um bom negócio? Ah, você acha que isso “não é a coisa certa”?
Também acho que não.
Com o Direito
não se resolve dilemas ou pegadinhas morais. Um direito é um direito. Como
faz o médico em House of Cards. O presidente dos EUA é o segundo
da fila de transplantes. E o médico não permite que se fure a fila. E
diz: It´s the law. Isso é fazer a coisa certa. E sabem por
quê? Porque o que vale é decidir por princípio e não por moral ou política ou
voz das ruas ou voz da mídia. E qual é o princípio? “Uma vida é igual a uma
vida”. Por isso, o direito à presunção
da inocência é igual ao direito à presunção. Porque
é um princípio. Simples assim. Eis a coisa certa a fazer. Sem dilemas ou
ameaças da mídia ou discursos de ódio advindos das redes sociais.
Tribunais não existem para
disputar popularidade. Como cidadão, e qualquer um pode pensar assim, pode
parecer melhor que se prenda logo após a condenação já em primeiro grau. Ou
em segundo.
Mas como jurista, como Corte Constitucional,
só se pode fazer o que diz a Constituição!
ADC é ação sem cliente. Não tem rosto. A identidade de uma ação
constitucional é o texto que se busca esclarecer. E o que se quer nas ADCs 43, 44 e 54 é
apenas que se declare o que lá está. Se isso é ruim, se isso desagrada a
muita gente, não deve importar.
A Constituição
é justamente um remédio contra descon-tentamentos.
Cartas na mesa, então: ou bem a Corte decide
por princípio e veda a prisão em segunda instância – afirmando a clareza do
CPP e da CF - ou a Corte faz política e autoriza a prisão. Só tem de assumir
qual a autoridade impera no direito brasileiro: se é a dos julgadores ou se é
a do Direito.
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quinta-feira, 17 de outubro de 2019
191017 - Jurista Lenio Streck
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