Paulo Freire
está inserido dentro de um contexto histórico. Na década de 1960, o Brasil
era rural e analfabeto. A Constituição de 1946 negava o direito ao voto a quem não sabia ler ou
escrever. O "povo" estava excluído da participação política e, por
isso, de qualquer ação política: se o "povo" não votava, por que
fazer alguma coisa pra "ele"? Paulo Freire surgiu como o criador de
um "método" de alfabetização
para adultos, no interior
do Nordeste, na década de 1960. Partindo da vivência dos alfabetizandos,
conseguiu transmitir-lhes a educação formal em tempo recorde. O
"método" - por falta de uma palavra melhor - mudaria completamente
o rumo eleitoral do país, pois incluiria milhões de novos eleitores no mapa
eleitoral, se adotado como política de Estado. Jango, quando assumiu, tinha como mote de campanha as Reformas de Base. Jango mais falou do que fez. Além da futura (e nunca
praticada) Reforma Agrária, tinha a intenção de pôr em prática o "método"
freirista. Foi um alvoroço na política brasileira. Político, no Brasil, tem
medo do "povo". Político tem medo de mudar as estruturas de
desigualdades, que os sustentam e lhes garantem dinheiro, eleição e poder. Na
época, chamaram de "intenções comunistas" dar cidadania política ao brasileiro. Era do
direito ao voto que falavam. Mas para a política conservadora tratava-se de
"doutrinação". O Golpe de 1964 foi a desculpa encontrada. No país, a "doutrinação comunista" é usada, via de regra, como desculpas para golpes
de Estado. Vide a Intentona Comunista e o Estado Novo. Não mudamos muita coisa, pois os eleitos de hoje ainda
vivem sob a égide da Doutrina de Segurança
Nacional.
Pensar Paulo
Freire fora desse contexto: da Guerra Fria, dos insistentes golpes militares das décadas anteriores
a 1964, da Doutrina de Segurança Nacional baseado na CIA, do reacionarismo de um país escravocrata, dos mandonismos e coronelismos seria um grande erro.
Pensar que o
problema da educação se resume a um único homem é o sinal de que o problema
da educação atinge gerações. O país sempre cagou para educação formal. É algo
que podemos perceber inclusive nos governos de esquerda, do Partido dos Trabalhadores. Criamos uma memória coletiva de que a Ditadura Militar promovia uma educação de qualidade, mas esquecemos - ou
nunca pesquisamos - que a Constituição de 1967 retirou a porcentagem mínima obrigatória que antes era
destinada a educação. Os governos militares fizeram uma escolha: ao
investirem maciçamente em infraestrutura, abdicaram do investimento em
políticas sociais. Foi nos governos militares que
o país crescia e o salário mínimo diminuía. Foi nos governos militares que as estruturas de
desigualdade aumentaram consideravelmente. A partir da década de 1970 e 1980,
com a neoliberalização do mundo e a diminuição da importância do Estado, o
setor de serviços, que era, até então, eminentemente público, foi deixado à
iniciativa privada. A educação passou por processo semelhante. Assim, no
Regime Militar, abriu-se caminho para a iniciativa privada com a diminuição
dos investimentos públicos, em todas as áreas: educação, segurança,
habitação. A classe média, que tinha papel importante de cobrança e
mobilização por uma educação de qualidade, migrou para o novo sistema. A
educação pública do país passou a ser constantemente deixada de lado, sem a
pressão política de uma classe que conseguia mobilizar o país, ao contrário
do "povo". Enquanto o serviço público continuar sendo um serviço de
"pobre", do "povo", de parcela excluída da sociedade,
incapaz de se mobilizar, os serviços serão ruins, incluindo, aí, a educação.
A educação de qualidade deveria ser um projeto nacional. Culpar Paulo Freire
pela educação ruim é desconhecer a História do Brasil. Desconhecendo a História, que é uma ciência, com
métodos e rigor científico, estamos malfadados à manipulação, à direita e à
esquerda.
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terça-feira, 15 de outubro de 2019
191015 - Quem foi Paulo Freire
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Oi, Marcos, tudo bem por aí? Muito bacana ajudar a disseminar conhecimento, fico feliz em ter visto credibilidade em minhas palavras. Mas tenho uma dica: se o senhor voltar ao vídeo, eu atualizei meu comentário e inseri todas as referências que usei para construir esse texto. Mais uma vez, obrigado. Sigamos, juntos!
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