sábado, 17 de setembro de 2022

"Hino" ao Inominável



“Sou a favor da ditadura”, disse ele,

“Do pau de arara e da tortura”, concluiu.

“Mas o regime, mais do que ter torturado,

Tinha que ter matado trinta mil”.

E em contradita ao que afirmou, na caradura

Disse: “Não houve ditadura no país”.

 

E no real o incrível, o inacreditável

Entrou que nem um pesadelo, infeliz,

Ao som raivoso de uma voz inconfiável

Que diz e mente e se desmente e se desdiz.

 

Disse que num quilombo “os afrodescendentes

Pesavam sete arrobas” – e daí pra mais:

Que “não serviam nem pra procriar”,

Como se fôssemos, nós negros, animais.

E ainda insiste que não é racista

E que racismo não existe no país.

 

Como é possível, como é aceitável

Que tal se diga e fique impune quem o diz?

Tamanha injúria não inocentável,

Quem a julgou, que júri, que juiz?

 

Disse que agora “o índio está evoluindo,

Cada vez mais é um ser humano igual a nós.

Mas isolado é como um bicho no zoológico”,

E decretou e declarou de viva voz:

“Nem um centímetro a mais de terra indígena!,

Que nela jaz muita riqueza pro país”.

 

Se pronuncia assim o impronunciável

Tal qual o nome que tal “hino” nunca diz,

Do inumano ser, o ser inominável,

Do qual emanam mil pronunciamentos vis.

 

Disse que se tivesse um filho homossexual,

Preferiria que o progênito “morresse”.

Pruma mulher disse que não a estupraria,

Porque “você é feia, não merece”.

E ainda disse que a mulher, “porque engravida”,

“Deve ganhar menos que o homem” no país.

 

Por tal conduta e atitude deplorável,

Sempre o comparam com alguns quadrúpedes.

Uma maldade, uma injustiça inaceitável!

Tais animais são mais afáveis e gentis.

 

Mas quem dirá que não é mais imaginável

Erguer de novo das ruínas o país?

 

Chamou o tema ambiental de “importante

Só pra vegano que só come vegetal”;

Chamou de “mentirosos” dados científicos

Do aumento do desmatamento florestal.

Disse que “a Amazônia segue intocada,

Praticamente preservada no país”.

 

E assim negou e renegou o inegável,

As evidências que a Ciência vê e diz,

Da derrubada e da queimada comprovável

Pelas imagens de satélites.

 

E proclamou : “Policial tem que matar,

Tem que matar, senão não é policial.

Matar com dez ou trinta tiros o bandido,

Pois criminoso é um ser humano anormal.

Matar uns quinze ou vinte e ser condecorado,

Não processado” e condenado no país.

 

Por essa fala inflexível, inflamável,

Que só a morte, a violência e o mal bendiz,

Por tal discurso de ódio, odiável,

O que resolve são canhões, revólveres.

 

“A minha especialidade é matar,

Sou capitão do exército”, assim grunhiu.

E induziu o brasileiro a se armar,

Que “todo mundo, pô, tem que comprar fuzil”,

Pois “povo armado não será escravizado”,

Numa cruzada pela morte no país

 

E num desprezo pela vida inolvidável,

Que nem quando lotavam UTIs

E o número de mortos era inumerável,

Disse “E daí? Não sou coveiro”. “E daí?”

 

“Os livros são hoje ‘um montão de amontoado’

De muita coisa escrita”, veio a declarar.

Tentou dizer “conclamo” e disse “eu canclomo”;

Não sabe conjugar o verbo “concl…amar”.

Clamou que “no Brasil tem professor demais”,

Tal qual um imbecil pra imbecis.

 

Vigora agora o que não é ignorável:

Os ignorantes ora imperam no país

(O que era antes, ó pensantes, impensável)…

Quem é essa gente que não sabe o que diz?

 

Mas quem dirá que não é mais imaginável

Erguer de novo das ruínas o país?

 

Chamou de “herói” um coronel torturador

E um capitão miliciano e assassino.

Chamou de “escória” bolivianos, haitianos…

De “paraíba” e “pau de arara” o nordestino.

E diz que “ser patrão aqui é uma desgraça”,

E diz que “fome ninguém passa no país”.

 

Tal qual num filme de terror, inenarrável,

Em que a verdade não importa nem se diz,

Desenrolou-se, incontível, incontável,

Um rol idiota de chacotas e pitis.

 

Disse que mera “fantasia” era o vírus

E “histeria” a reação à pandemia;

Que brasileiro “pula e nada no esgoto,

Não pega nada”, então também não pegaria

O que chamou de “gripezinha” e receitou (sim!),

Sim, cloroquina, e não vacina, pro país.

 

E assim sem ter que pôr à prova o improvável,

Um ditador tampouco põe pingo nos is,

E nem responde, falador irresponsável,

Por todo ato ou toda fala pros Brasis.

 

E repetiu o mote “Deus, pátria e família”

Do integralismo e da Itália do fascismo,

Colando ao lema uma suspeita “liberdade”…

Tal qual tinha parodiado do nazismo

O slogan “Alemanha acima de tudo”,

Pondo ao invés “Brasil” no nome do país.

 

E qual num sonho horroroso, detestável,

A gente viu sem crer o que não quer nem quis:

Comemorarem o que não é memorável,

Como sinistras, tristes efemérides…

 

Já declarou: “Quem queira vir para o Brasil

Pra fazer sexo com mulher, fique à vontade.

Nós não podemos promover turismo gay,

Temos famílias”, disse com moralidade.

E já gritou um dia: “Toda minoria

Tem de curvar-se à maioria!” no país.

 

E assim o incrível, o inacreditável,

Se torna natural, quanto mais se rediz,

E a intolerância, essa sim intolerável,

Nessa figura dá chiliques mis.

 

Mas quem dirá que não é mais imaginável

Erguer de novo das ruínas o país?

 

Por vezes saem, caem, soam como fezes

Da sua boca cada som, cada sentença…

É um nonsense, é um caô, umas fake-news,

É um libelo leviano ou uma ofensa.

Porque mal pensa no que diz, porque mal pensa,

“Não falo mais com a imprensa”, um dia diz.

 

Mas de fanáticos a horda lamentável,

Que louva a volta à ditadura no país,

A turba cega-surda surta, insuportável,

E grita “mito!”, “eu autorizo!”, e pede “bis!”

 

E disse “merda, bosta, porra, putaria,

Filho da puta, puta que pariu, caguei!”

E a cada internação tratando do intestino

E a cada termo grosso e um “Talquei?”,

O cheiro podre da sua retórica

Escatológica se espalha no país.

 

“Sou imorrível, incomível e imbrochável”,

Já se gabou em sua tão caracterís-

Tica linguagem baixo nível, reprovável,

Esse boçal ignaro, rei de mimimis.

 

Mas nada disse de Moise Kabagambe,

O jovem congolês que foi aqui linchado.

Do caso Evaldo Rosa, preto, musicista,

Com a família no automóvel baleado,

Disse que a tropa “não matou ninguém”, somente

“Foi um incidente” oitenta tiros de fuzis…

 

“O exército é do povo e não foi responsável”,

Falou o homem da gravata de fuzis,

Que é bem provável ser-lhe a vida descartável,

Sendo de negro ou de imigrante no país.

 

Bradou que “o presidente já não cumprirá

Mais decisão” do magistrado do Supremo,

Ao qual se dirigiu xingando: “Seu canalha!”

Mas acuado recuou do tom extremo,

E em nota disse: “Nunca tive intenção

(Não!) De agredir quaisquer Poderes” do país.

 

Falhou o golpe mas safou-se o impeachável,

Machão cagão de atos pusilânimes,

O que talvez se ache algum herói da Marvel

Mas que tá mais pra algum bandido de gibis.

 

Mas quem dirá que não é mais imaginável

Erguer de novo das ruínas o país?

 

E sugeriu pra poluição ambiental:

“É só fazer cocô, dia sim, dia não”.

E pra quem sugeriu feijão e não fuzil:

“Querem comida? Então, dá tiro de feijão”.

É sem preparo, sem noção, sem compostura.

Sua postura com o posto não condiz.

 

No entanto “chega! […] vai agora [inominável]”,

Cravou o maior poeta vivo, no país,

E ecoou o coro “fora, [inominável]!”

E o panelaço das janelas nas metrópoles!

 

E numa live de golpista prometeu:

“Sem voto impresso não haverá eleição!”

E praguejou pra jornalistas: “Cala a boca!

Vocês são uma raça em extinção!”

E no seu tosco português ele não pára:

Dispara sempre um disparate o que maldiz.

 

Hoje um mal-dito dito dele é deletável

Pelo Insta, Face, YouTube e Twitter no país.

Mas para nós, mais do que um post, é enquadrável

O impostor que com o posto não condiz.

 

Disse que não aceitará o resultado

Se derrotado na eleição da nossa história,

E: “Eu tenho três alternativas pro futuro:

Ou estar preso, ou ser morto ou a vitória”,

Porque “somente Deus me tira da cadeira

De presidente” (Oh Deus proteja esse país!”).

 

Tivéssemos um parlamento confiável,

Sem x comparsas seus cupinchas, cúmplices,

E seu impeachment seria inescapável,

Com n inquéritos, pedidos, CPIs.

 

Não há cortina de fumaça indevassável

Que encubra o crime desses tempos incivis

E tampe o sol que vem com o dia inadiável

E brilha agora qual farol na noite gris.

É a esperança que renasce onde HÁ véu,

De um horizonte menos cinza e mais feliz.

É a passagem muito além do instagramável

Do pesadelo à utopia por um triz,

No instante crucial de liberdade instável

Pros democráticos de fato, equânimes,

Com a missão difícil mas realizável

De erguer das cinzas como fênix o país.

 

E quem dirá que não é mais imaginável

Erguer de novo das ruínas o país?

 

Mas quem dirá que não é mais imaginável

Erguer de novo das ruínas o país?

 

Transcrição correta da letra:

HINO ao Inominável

Intérpretes:

ü André Abujamra

ü Arrigo Barnabé

ü Bruno Gagliasso

ü Caio Prado

ü Cida Moreira

ü Chico Brown

ü Chico César

ü Chico Chico

ü Dexter

ü Dora Morelenbaum

ü Héloa

ü Hodari

ü Jorge Du Peixe

ü José Miguel Wisnik

ü Leci Brandão

ü Lenine

ü Luana Carvalho

ü Marina Íris

ü Marina Lima

ü Monica Salmaso

ü Paulinho Moska

ü Pedro Luís

ü Péricles Cavalcanti

ü Preta Ferreira

ü Professor Pasquale

ü Ricardo Aleixo

ü Thaline Karajá

ü Vitor da Trindade

ü Wagner Moura

ü Zélia Duncan


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