Bolsonaro prepara a venda das empresas que possuem dados
de toda população brasileira
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Estimadas em 6
bilhões, SERPRO
e DATAPREV
reúnem 12.500 funcionários e possuem informações desde o imposto de renda,
até registros de nascimentos e óbitos
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Brasília - 06 SET 2019 - 22:43 BRT
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Um ex-servidor começa a receber ligações
telefônicas oferecendo empréstimo consignado dias
depois de se aposentar. Uma seguradora de veículos com quem um cidadão
jamais teve contato lhe oferece um novo seguro semanas antes de vencer o
contrato que está em vigência. O timing não é mágica. É uma planejada, com base em informações
confidenciais mantidas pelo Governo
e consideradas valiosíssimas para qualquer empresa que busca dados de
potenciais clientes. O que elas têm em comum é que todas são processadas e
armazenadas por duas lucrativas companhias públicas brasileiras que o
Governo Jair Bolsonaro (PSL) pretende privatizar, o SERPRO e a DATAPREV.
E, com isso, de uma hora para outra, uma companhia qualquer pode passar a ter
acesso, por exemplo, a todos os dados que o contribuinte declarou em seu
imposto de renda.
Só no ano passado o SERPRO
teve um faturamento de 3,2 bilhões de reais, e a DATAPREV,
de 1,26 bilhão de reais. A primeira possui cerca de 9.100 funcionários
concursados, a segunda, 3.400. No mercado,
juntas, as empresas têm o valor estimado de seis bilhões de reais, mas as
informações que armazenam ainda não têm um preço calculado. Elas possuem
dados de toda a população brasileira: da data
de nascimento ao quanto se contribuiu para Previdência
ou pagou de impostos ao longo da vida. Entre os interessados em adquiri-las
estão fundos de investimentos e empresas de tecnologia da informação
nacionais e estrangeiras. A transação depende de aprovação do Congresso Nacional.
Os estudos para a venda das duas empresas
foram anunciados há cerca de duas semanas. Estão sendo feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
e a expectativa é que a venda se concretize no ano que vem. No último dia 29
de agosto estava prevista uma audiência pública na Câmara da
qual participariam os presidentes do SERPRO, Caio Paes de Andrade, e da DATAPREV,
Christiane Edington. Diante da mobilização de servidores para tentar frear a
venda, na noite anterior ao debate, ambos cancelaram a participação no
encontro.
No SERPRO há mais de 4.000 sistemas de
informação que incluem a declaração do imposto de renda, a emissão de passaportes e carteiras de motoristas, o
pagamento do Bolsa Família
(1), os registros sobre veículos roubados ou furtados
em todo o país, dados da Agência
Brasileira de Inteligência, do sistema de comércio exterior e de transações
que passaram pelos portos e aeroportos nacionais, entre outros. Na DATAPREV,
seus 720 sistemas possuem todos os registros de nascimento e óbitos
no país, cadastros trabalhistas de nacionais e
estrangeiros, detalhes das empresas registradas em todos os Estados, além do
processamento dos pagamentos de aposentadorias, pensões e seguro desemprego.
A DATAPREV recentemente também abriu uma
licitação para adquirir uma tecnologia de reconhecimento facial e de
impressão digital, contestada pelo Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que pede
que ela seja suspensa. O órgão afirma que é preciso, primeiro, que a empresa
de dados resolva "o sistemático vazamento de dados dos beneficiários do
INSS". “Esses vazamentos criaram uma cadeia perversa, onde os dados são
utilizados na oferta abusiva de crédito consignado aos aposentados, o que
gera o espiral de superendividamento", afirma Diogo Moyses, coordenador
do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do IDEC, em
uma nota do órgão que ilustra como os dados já
são usados por interesses próprios de empresas.
Olhar como os dados vão ser bem protegidos
talvez seja hoje o principal alicerce na relação entre estado e cidadão Bruno
Bioni, advogado.
O temor de especialistas e dos servidores é
que essas informações passem a ser comercializadas
sem a devida autorização dos cidadãos que
estão cadastrados nesses bancos de dados de forma
sistemática. É comum ouvir entre os estudiosos do assunto que dados são,
hoje, o novo petróleo. Por meio deles consegue-se direcionar uma venda ou
definir quem pode ou não ter acesso a crédito junto a instituições financeiras, por
exemplo. “São informações sensíveis que não deveriam cair nas mãos de
uma empresa privada, sob o risco de ferir até a soberania nacional”, afirmou
o diretor do Sindicato de
Processamento de Dados do Distrito Federal, Kléber
Santos. Funcionário do SERPRO há oito anos, Santos é um dos servidores que
encampam uma campanha contrária à privatização do órgão. (1)
“Se eu resolvo montar um dossiê contra uma
pessoa, busco no seu histórico do imposto de renda o quanto arrecada, qual é
o seu patrimônio. Hoje, essas
informações estão só nas mãos do Estado. Após privatizar, correm o risco de
serem comercializadas livremente”, alerta a servidora Socorro Lago,
representante da Coordenação Nacional de Campanha da DATAPREV.
Advogado e especialista em
proteção de dados pessoais, Bruno Bioni diz que
hoje a proteção de dados pessoais é a nossa própria identidade. “Na medida em
que o cidadão é enxergado, julgado, não com base no rosto deles, mas com o
que uma base de dados diz sobre ele, a proteção de dados pessoais passa a ser
um eixo e um vetor de sua própria cidadania”, diz Bioni, fundador da empresa Data Privacy. “Olhar como os
dados vão ser bem protegidos talvez seja hoje o principal alicerce na relação
entre estado e cidadão”, acrescenta.
Na opinião de Bioni, contudo, tão importante
quando discutir se a privatização é prejudicial à proteção de dados pessoais,
é considerar os seus limites caso tais empresas públicas passem a ser da
iniciativa privada. Segundo ele, o que importa saber é se os dados coletados
serão usados somente para o fim pelo qual foram obtidos. Por exemplo, se um
estudante requereu um financiamento estudantil, as informações que ele
repassou ao Governo só podem ser analisadas para essa finalidade, não
poderiam basear qualquer outra análise, tampouco serem vendidas. “A
finalidade pela qual o dado está sendo confiado, ela segue o dado. Existe
essa limitação para que as empresas usem esse banco de dados”.
No segundo semestre de 2020, entrará em vigor
da Lei Geral de
Proteção de Dados (1), que prevê maior rigor no
controle de quais informações podem ser usadas por empresas e governos. Além
disso, autoriza que apenas o que for expressamente autorizado seja repassado
para os sistemas.
Procurado, o Governo informou, por intermédio
do Ministério da Economia, que as empresas devem ser vendidas para seguir a
lógica traçada pelo ministro
Paulo Guedes (1), de que o maior número de
companhias públicas passarão para a iniciativa privada. "A orientação é
reduzir o tamanho do Estado, privatizando o máximo de empresas e focando
naquilo que o Estado deveria cuidar como saúde, educação, segurança e
infraestrutura", disse a pasta em nota. A gestão Bolsonaro/Guedes
acredita que não faz sentido o poder público ter empresas de processamento de
informações. "O Governo entende que a manutenção de dados da população
sob guarda dessas empresas não garante sua proteção mais do que sob guarda de
empresas privadas". Como exemplo, o Ministério da Economia cita o sigilo
bancário dos correntistas, que costumam ser protegidos pelas instituições
financeiras particulares ou públicas.
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sexta-feira, 6 de setembro de 2019
190906 - SERPRO (x) DATAPREV
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